terça-feira, 23 de maio de 2017

SLOW SURGERY

Artigo originalmente publicado por Paulo Schor, Chefe do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina, na Revista Universo visual. Internet, http://www.universovisual.com.br/ponto-de-vista/2500/ 


Um movimento chamado “slow surgery” teve registro no Japão há alguns anos (http://www.healio.com/ophthalmology/news/print/ocular-surgery-news-europe-asia-edition/%7Bc55f7dd4-95fa-447d-b56d-f18e1e51ab9e%7D/the-concept-of-slow-surgery-aims-for-safer-phaco). 
Com base nessa filosofia, as cirurgias de 5 minutos deveriam causar “arrependimento” e todas as cirurgias deveriam ser guiadas pelos conceitos de elegância e segurança. Parece bem óbvio todo esse postulado, mas vale revisar a “moda” vigente.
Hoje é “in” fazer a incisão principal da cirurgia de catarata (facoemulsificação) ao mesmo tempo que a incisão acessória (paracentese). É “invejável” usar os parâmetros das máquinas cirúrgicas nos níveis submáximos, com altíssimo fluxo de líquido e sucção no sistema. Não se deve “perder tempo” em nenhum passo cirúrgico, e quem opera em mais de 20 minutos “tem duas mãos esquerdas”.
Esse cenário (real) datado de longe parece ter sido montado para dar conta da eficiência necessária nos mutirões ou serviços de alto volume. Cirurgiões foram treinados no exterior e aqui mesmo, e se aprimoraram. Vários deles já eram mestres hábeis, que tiveram mais facilidade na incorporação tecnológica. Hoje em dia ter feito menos de 5.000 casos de catarata e operar em mais de 10 minutos qualificam o cirurgião como “novato” em vários meios nacionais.
Sem dúvida, assistir um desses “gênios da raça” operar é agradabilíssimo. Naquelas mãos as operações são “fáceis” e as manobras “triviais”, e desconfio que por essa falsa impressão, aliado ao glamour que sobrou da época de maior oferta de procedimentos para relativamente poucos operadores, os mais jovens eternizaram e entronizaram esse comportamento.
Ocorre que há uma relação direta entre a taxa de complicações em cirurgias e a experiência do médico. Se aliada a essa taxa de ocorrência natural somarmos esse “desvio da curva”, ou viés sistemático, chamado pressa, teremos uma maior taxa de complicações, e infelizmente vemos isso acontecer nos serviços-escola.
Mesmo com orientadores treinados que são exímios cirurgiões, não estamos conseguindo realinhar as expectativas dos recém-formados, que por vezes passam a contar com as intercorrências como parte da cirurgia. Claro que a generalização não vale, mas o alerta surge.
Para dar conta desse desafio lançamos as cirurgias com duração mínima recomendada. 17 minutos! Esse seria um tempo válido para reflexão, reavaliação de cada passo, planejamento intraoperatório, reexecução de etapas que poderiam ser melhoradas, e até mesmo auxílio externo. O axioma de que as dificuldades devem ser resolvidas por mãos experientes continua, e o processo de aprendizado é longo!
Do mesmo modo, deveríamos ensinar e praticar a convivência com pacientes antes das operações (ou mesmo nas consultas clínicas mais complexas).
Há de se estabelecer uma confiança mútua antes de um comprometimento tão importante como uma intervenção cirúrgica ou proposta de tratamento clínico complexo.
Não é justo esperar do paciente e nem cobrar do médico que se faça um elo emocional forte (que além de tudo é o melhor remédio para evitar processos médicos) em uma consulta. Ainda mais numa consulta de 15 minutos. E não adianta muito que o paciente fique na clínica por uma hora, o elo é pessoal, com quem vai realizar o procedimento.
Eu, por exemplo, não opero catarata sem ao menos duas consultas.
Claro que o apressado come cru, mas o atrasado come frio. Os dois perdem. Não é lícito “procrastinar” com o tempo alheio. Ha de se fazer valer o tempo. Efetivamente realizar uma anamnese e um exame completo, eventualmente gravar imagens ou ter modelos e desenhos que facilitem o entendimento, e no retorno rever exames e tirar dúvidas que possam ter restado. Um tempo de reflexão ajuda em todos os passos, desde a decisão, passando pela tranquilidade durante a anestesia, o seguimento das orientações pós-operatórias e a tolerância para aguardar a chegada dos resultados esperados (expectativa).
O paciente quer sim eficiência, e por vezes contaminado com a correria do dia a dia, traz para dentro do consultório essa velocidade. Chega com informações para serem checadas, já foi a colegas, prefere a hora do almoço, escolhe cirurgias nas sextas-feiras e quer resultados “para ontem”. Isso pode incomodar a alguns de nós. Afinal, não somos a prioridade número um deles, e a cirurgia (ou consulta) não parece ser a coisa mais importante da vida dele, mas é! Nós não somos mesmo. O paciente está mais egoísta e autocentrado, e isso foi esperado por séculos, mas a hora deles chegou (mais sobre isso em https://www.nytimes.com/2015/02/15/books/review/the-patient-will-see-you-now-by-eric-topol.html?_r=0). Comemoremos e nos adaptemos!
Vamos perder essa corrida se continuarmos a competir pelo tempo, com os outros médicos, e principalmente com a tecnologia. Nosso foco é o paciente, e nós sabemos dos riscos e complicações intrínsecos a cada ato médico, por isso a profissão tão respeitada. Temos nas nossas mãos informações que podem mudar decisões de vida.
Nosso grande diferencial é o contato humano. Creio que teremos ainda um bom tempo antes de aceitarmos com tranquilidade um robô-humano, que nos passe segurança. Essa atuação é o que caracteriza a humanidade. Os pacientes em última análise buscam a mão no ombro nos dizendo que “tudo vai ficar bem”.
*Paulo Schor é chefe do Departamento de Oftalmologia da Escola Paulista de Medicina com atuação em óptica cirúrgica.
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